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Psicanálise e a Clínica das Depressões

Texto escrito por Kátia Simone, redatora do Instituto ESPE.


 

Nesta aula aberta do curso de Pós graduação para o Instituto ESPE, a psicanalista, escritora e professora Maria Rita Kehl, conta sobre as demandas que a levou escrever sobre o tema, ‘As depressões’, numa conversa descontraída com seu ouvinte ela dispõe de um resumo sobre o seu livro, ‘O tempo e o cão – a atualidade das depressões’. Inicialmente, ela traz a informação de que a psicanálise não tem uma teoria sobre a depressão, Freud não criou essa teoria e Lacan considerava que a Depressão era uma doença com nomenclatura designada a psiquiatria e criada pela indústria farmacêutica para vender mais remédios.


Maria Rita Kehl, traz enquanto questão o seu pensamento em relação a indústria farmacêutica.


-Será que o único jeito é remédio?


. Essa questão é um ponto importante que será alinhada ao discurso dela em um outro momento da aula. O objetivo da autora ao escrever o livro o ‘Tempo e o cão’, foi investigar o fenômeno depressivo, resgatá-lo do campo exclusivo da psiquiatria e a intenção não era proibir que as pessoas procurassem o psiquiatra para tratar suas depressões, mas investigar a causa que as levavam a ter depressão.


 

A primeira dificuldade encontrada para a realização desse trabalho, é que...


Freud não escreveu sobre as depressões, ele escreveu sobre a melancolia e a melancolia para Freud é um fenômeno diferente da depressão, é o tipo de sofrimento que a pessoa tem quando se identifica com objeto amado, e encontra nesse objeto o ódio. A professora cita o livro ‘Mãe má’, onde a autora escreve sobre uma mãe que não dá amor para a sua filha, e toda criança se identifica com algo da mãe, logo, o melancólico identificado com o objeto que o odeia, passa a odiar a si próprio.


A escritora, conta a história sobre sua pesquisa e escrita do livro ‘O Tempo e o cão’, referindo-se ao período que trabalhou na Escola Nacional Florestan Fernandes. Na inauguração da escola, ela foi convidada juntamente com intelectuais de esquerda que a questionaram sobre como ela poderia contribuir para o crescimento da escola, num tom de brincadeira ela disse que não teria uma contribuição objetiva, mas seguiu dizendo que gente doida existe em todo lugar e que se precisassem dela ela estaria ali, os intelectuais acharam graça nessa colocação e a partir dali ela iniciou seu trabalho na escola entre os anos de 2006 e 2011.


O relato dessa história sobre o trabalho realizado na Escola Nacional Florestan Fernandes, foi uma ponte que Rita Kehl construiu, para contar as reflexões feitas por ela nesse período, sobre o tema depressão, isso porque, foi em uma dessas idas à Escola Nacional através da Rodovia - Via Dutra, que colidiu seu carro com um cachorro, felizmente o animal não morreu. A psicanalista faz uma análise desta situação, primeiramente recorrendo ao símbolo que representa o cão, ou seja, o cão no período renascentista é o símbolo da melancolia, ela mostra a Gravura de Albrecht Dürer, artista holandês e explica que a melancolia é simbolizada por um cometa brilhante chamado melancolia e que passa por anjos, instrumentos musicais e tem um cão que é o representante da melancolia. A partir daí Rita Kehl faz associações do evento, onde ela atropelou um cachorro na Via Dutra, juntamente com o que representa a figura do cão e alguns casos clínicos do seu consultório onde a melancolia era um traço ou a estrutura predominante e que levou dois pacientes ao suicídio.


 

Nos dois casos atendidos pela psicanalista, o suicídio tinha a ver com o tempo


Um caso era aceleração do tempo por uso de cocaína e o outro também tinha a aceleração do tempo, porém o paciente teve uma rápida ascensão financeira e não soube lidar com isso. Esses casos clínicos foram importantes para a articulação que a escritora fez, das questões sobre a depressão como ponto central para a escrita do seu livro ‘O tempo e o cão’, o livro é o trabalho de pesquisa do seu doutorado e são hipóteses que ela levantou que possibilitaram introduzir o termo depressão a psicanálise, tornando assim possível estudar a depressão pelo viés psicanalítico.


Nesse percurso que a escritora fez, abriu caminhos para que ela fizesse associações, reflexões e elaborações sobre sua pesquisa, Uma frase de Antônio Candido escrita no muro da Escola Nacional onde ela trabalhava, lhe chamou a atenção, a frase enunciava: ‘Dizem que o tempo é dinheiro, isso é uma barbaridade o tempo é o tecido das nossas vidas’, o autor conseguiu resumir a barbaridade da velocidade com que vivemos hoje em dia e diz como o ser humano vive eliminando a possibilidade de construir uma experiência. A escritora pergunta:


O que é a experiência?


Ela faz um retorno a Walter Benjamin (1892), um autor melancólico que se suicidou, porém o suicídio dele não tem a ver com a melancolia que ele tinha e a escritora traz Benjamin para esta conversa, para associar dois textos que Walter escreveu, e que fala sobre o tema principal da sua aula, a depressão. Os livros são: Experiência e pobreza, (1933) e o Narrador (1936), são grandes crônicas possíveis de entender e mais conhecidos, isso porque os textos mais teóricos do autor são difíceis e complexos de serem entendidos. Nesses dois textos, Benjamin fala sobre a perspectiva da experiência, da importância de transmitir o que vivemos, ele traz a diferença entre vivência e a experiência. A vivência é a composição de nossos atos rápidos do dia a dia, mas nesse dia a dia existem fatos extraordinários que precisam ser contatos, quando passamos essa vivência a diante ela passa a ser uma experiência. O dia é composto de vivências, segundo Rita Kehl e ela continua suas reflexões, fazendo a seguinte pergunta.


- O que isso tem a ver com as depressões?


A vivência cotidiana segundo a autora não significa, a vivência não adquiriu significados, quando a pessoa faz uma narrativa sobre o cotidiano ela narra a vivência e a transforma em experiência. Maria Rita Kehl conta a narrativa que sua mãe faz sobre uma História familiar, a narração é o que ajuda a transformação da vivência em experiência e mais adiante ela ilustra esse fato como primordial para constituição psíquica saudável do sujeito. A escritora retorna a Benjamin (1892), trazendo para suas reflexões, associações da obra, Narrador (1936), que diz sobre a importância da narrativa sendo ela quem dá sentido imaginário a vida. A neurose é ancorada no imaginário, é na narrativa sobre a vida cotidiana que o sujeito se deixa conduzir pelo imaginário, o deprimido é quem não consegue dar sentido imaginário a vida.


 

Para Benjamin (1892), segundo Maria Rita Kehl, a narrativa cria, tece o fio da vida e conecta o passado com o futuro


A narrativa é uma forma artesanal de comunicação. A narrativa pode ser um dispositivo ante depressivo, quando a pessoa conta histórias para os filhos, isso acontece porque a mãe contou histórias a ela, é isso que dá consistência a vida.


A psicanalista continua dizendo que, a depressão tem a ver com a velocidade da oferta do capitalismo. O trabalho exaustivo para ganhar o dinheiro traz a ilusão de que um dia a pessoa vai usufruir de suas conquistas, porém a depressão se instala na falta, no vazio, porque a pessoa continua correndo e sem tempo. A depressão é quando o sujeito se dá conta da experiência do vazio, porque não conseguiu construir um sentido para aquilo que não foi narrado.


O fato de não poder acionar a imaginação é o que caracteriza o sofrimento do depressivo. O dispositivo que a psicanalista criou para sua clínica e que contribuiu para que os pacientes deprimidos não chegassem ao suicídio, foi determinar horários específicos de atendimentos por telefone, várias vezes na semana, para que o paciente contasse algo do cotidiano, isso trouxe para o paciente a marcação do tempo, já que, o paciente depressivo vive num ‘pântano disforme’ com o tempo. A psicanalista conta sobre um paciente que em determinado dia ligou para ela e contou uma história qualquer, que a principio parecia algo para fazer gozação com ela, mas que na verdade esse paciente estava criando, inventando, estava conseguindo entrar no campo da fantasia e estava sendo capaz de imaginar. Ela percebeu que o paciente estava saindo da depressão, pois ele estava tendo capacidades que não são alcançadas quando o sujeito está deprimido. Segundo a psicanalista, quem não tem capacidade de fantasiar, não consegue dar expressão para o desejo, o depressivo não tem narrativas, ele não tem o que dizer dele mesmo, isso porque não contaram histórias sobre ele.


Nesse ponto da aula, foram feitas algumas perguntas à professora.


- A experiência é uma contemplação?


A professora respondeu que, a experiência não é contemplativa, ela diz que na experiência o sujeito é ativo, e pode fazer uma narrativa sobre alguma coisa. A narrativa é o ato de contar um acontecimento, isso esvazia o sujeito depressivo, ou seja, ele tem sentimentos, tem angustias, porém ele não tem narrativas. Nos casos de pessoas com depressão, os pais não transmitem nada sobre a história dessas pessoas, e isso é importante para o sujeito compor sua consistência subjetiva. A professora destaca, ninguém nasce depressivo, a depressão vai se instalando à medida que o sujeito não tem espaço para transformar as vivências em narrativas.


 

Quando Rita Kehl foi questionada sobre os casos de bebês depressivos, ela enfatiza novamente o fato de que ninguém nasce depressivo


A depressão em bebês, são casos associados ao vínculo materno, ela continua sua fala exemplificando um caso da vida pessoal dela, em que ela foi comunicada pela escola que o filho estudava, que ele poderia reprovar o ano letivo. Esse fato a fez refletir sobre a rotina da sua casa, como ela se posicionava diante da questão sobre o funcionamento do lar, tudo estava em torno do funcionamento e aí ela passou a interagir de forma diferente com o filho. Ela perguntava ao filho como havia sido o dia dele, como tinha sido suas experiências, ela começou a jogar com o filho estabelecendo uma comunicação de interação lúdica e isso fez um efeito positivo no rendimento escolar do filho.


Nova questão se fez, a partir da fala de Rita Kehl sobre a importância interagir com a criança através dos jogos lúdicos e foi feita a seguinte pergunta.


- Os jogos eletrônicos, redes sociais e a tecnologia são contribuintes para as depressões?


A psicanalista se posiciona dizendo que sim, ela acredita que os jogos eletrônicos contribuem para a piora dos casos de depressão e especifica o jogo de vídeo game, dizendo que o sujeito tem o mínimo de experiência quando está jogando, porém, a velocidade que tem a ver com o tempo, também são partes que constitui os jogos de vídeo game e colaboram para que o sujeito fique deprimido. Rita Kehl ressalta que não tem uma resposta segura sobre o assunto, pois ela não pensou na velocidade sobre a perspectiva dos jogos eletrônicos, quando ela fez sua pesquisa, porém, ela comenta e se posiciona sobre a questão relacionada a comodidade que isso traz aos pais, enquanto o filho está no vídeo game os pais não tem trabalho. O vídeo game segundo a psicanalista, é uma distração que independentemente, se causa depressão ou não, é um lugar que não é seguro para a criança ocupar, isso porque é um jogo que não permite a criança produzir uma narrativa. A criança sai exausta de um jogo onde ficou horas, e quando ela sai daquele lugar ela não tem nada para contar.


Para a psicanalista, Benjamin (1892) está certo, pois, os prazeres gozosos que não constitui uma narrativa, podem contribuir para que o sujeito fique depressivo, isso porque a relação da pessoa com o mundo fica depressiva, pois nada lhe interessa, só interessa o opiáceo da velocidade e da imagem na tela. A empolgação que o sujeito tem do vídeo game, não assegura que ele não se torne uma criança ou um adulto depressivo.


 

Quando questionada, sobre a passagem da vivência para a experiência, como uma tratativa da depressão


A psicanalista responde que, enquanto a pessoa narra a sua experiência, a depressão vence, isso porque a pessoa não constitui uma narrativa sobre si mesma, fica só no campo do fazer, mesmo que esse fazer seja imaginação do prêt-à-porter dos jogos eletrônicos e dos desenhos animados, logo essa pessoa não coloca nada de si em sua narrativa. A professora conclui, que a vivência para a experiência é sim um antidoto para a depressão e de alguma forma é também uma tratativa, isso porque quando o paciente está muito deprimido, o analista também o estimula a fantasiar, a psicanálise faz o contrário nos casos de neurose, diminui a fantasia para submergir o desejo do sujeito, já que as fantasias estimulam as neuroses e a sua formação. Tentar eliminar a fantasia nos casos de depressão é um mal dispositivo.


A professora concluiu a aula, respondendo a última pergunta.


- Quando você sabe, se o caso é para ser encaminhado a um psiquiatra e o paciente pode passar pelos dois tratamentos, psiquiátrico e análise ao mesmo tempo?


A psicanalista pontua, que em casos onde o paciente não suporta a dor da depressão e verbaliza que não está aguentando e sente que vai tirar a própria vida, ela pede para que o paciente procure um psiquiatra e ela continua a análise do paciente, junto ao tratamento medicamentoso, porém ela recomenda sim o tratamento psiquiátrico em casos de estremo sofrimento e risco de vida.


 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


Benjamin. W. O anjo da história. Ed. Autentica, 25 de jul. de 2013 - 264 páginas https://books.google.com.br/books?id=x2CkAgAAQBAJ&printsec=frontcover&hl=pt-BR#v=onepage&q&f=false


FREUD, S. Luto e Melancolia. Edição Standard Brasileiras das Obras Completas de Sigmund Freud, v. XIV. Rio de Janeiro: Imago, 1917 [1915]/1974.


KEHL, M. R. O tempo e o cão – a atualidade das depressões. 2° ed., São Paulo: Boitempo, 2015.  

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