Qual o impacto sofrido pela sociedade sobre as mudanças em descrever o sofrimento psíquico?
- Instituto ESPE
- 21 de mar.
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Atualizado: 24 de mar.
Texto escrito por Kátia Simone, redatora do Instituto ESPE.
O modo como descrevemos o sofrimento psíquico passou por drásticas mudanças nos últimos trinta anos. Algumas categorias clínicas desapareceram e até mesmo a forma de diagnosticar o sofrimento psíquico passou por mudanças.
Mas o que significa exatamente, e qual o impacto dessas mudanças em descrever o sofrimento psíquico em nossa sociedade? Qual o posicionamento da psicanálise a esse respeito? Neste debate sugerido pelo Professor Vladimir Pinheiro Safatle, para o curso de: PSICANÁLISE E O SOFRIMENTO PSÍQUICO NA CLÍNICA CONTEMPORÂNEA, do Instituto ESPE, o Professor explica as nuances que cercam o sofrimento psíquico e as mudanças drásticas que ocorreram nos últimos 30 anos.
As categorias clínicas e a forma de diagnosticar o sofrimento, passaram por importantes mudanças segundo o Professor Vladimir Safatle, ele articula os conceitos e faz uma transmissão sobre a Psicanálise.
Partindo destas importantes questões, o Psicanalista traz importantes reflexões sobre o posicionamento da Psicanálise diante dessas mudanças e o impacto que as mesmas causaram em nossa sociedade. O Professor dá início a aula, falando sobre a importância de explorar algumas modificações estruturais e que dizem sobre a forma como o ser humano sofre. O sofrimento indica novos desafios para as abordagens clínicas, pois as estruturas estão inseridas em mutações e modificações sociais amplas, que tem a ver com o desenvolvimento de algumas tecnologias clínicas e dinâmicas farmacológicas. Há mais de 50 cinquenta anos, o campo do tratamento sobre o sofrimento psíquico, tem passado por uma transformação nos métodos clínicos e nas estruturas classificatórias. Desde o desenvolvimento dos primeiros neurolépticos, da síntese da clorpromazina, na década de 50 a psiquiatria e a psicologia viram modificações brutais nos seus métodos clínicos de intervenção. Segundo o Professor, essas modificações foram profundas na compreensão do que é o sofrimento psíquico e qual é a sua natureza? Essa é outra questão fundamental, para a aula ministrada pelo Professor e Psicanalista Vladimir Safatle. Mesmo diante dessas profundas modificações, nada disso redundou ou diminuiu no impacto para reduzir o sofrimento psíquico, muito pelo contrário os números demonstram uma crescente alarmante no crescimento de transtornos de ansiedade no Brasil. Numa pesquisa feita em 2017, a Organização Mundial de Saúde indicava o Brasil com a maior taxa de transtornos de ansiedade, 9,3%, ou seja 18 milhões de pessoas com transtorno de ansiedade, nesse mesmo período 11 milhões de pessoas apresentavam transtornos depressivos, o Brasil só ficava atrás dos Estados Unidos e Austrália.
Esses números pioraram em 2022, os transtornos depressivos atingiram o patamar de 13,5% da população e 9,7% de transtornos de ansiedade, somando quase ¼ da população brasileira com adoecimento psíquico. Na Inglaterra, os números são significativos e alarmantes, ou seja, 26% dos adultos ingleses afirmaram ter diagnósticos de algum transtorno mental, enquanto 18% afirmou ter tido algum tipo de transtorno mental não diagnosticado, ou seja, a conclusão possível, é que o desenvolvimento da tecnologia farmacológica das últimas décadas, não redundou na diminuição do sofrimento psíquico, toda essa mutação na maneira de modalidades de intervenção do sofrimento psíquico, não foi além em diminuição significativa do sofrimento psíquico nas sociedades ocidentais.
A primeira tese que o Professor desenvolve nesta aula, é sobre as modificações drásticas da maneira como o sofrimento psíquico tem sido descrito nos últimos cinquenta anos. O sofrimento foi transformado em patologia, porém é importante fazer uma distinção entre o que é entendido por sofrimento e o que é entendido por patologia, ou seja, nem todo sofrimento é patológico. Exemplo: o luto é um sofrimento psíquico, porém não é patológico, embora existe o luto patológico. A tristeza é um sofrimento psíquico, mas não é um sofrimento patológico. Patológico, é um sofrimento que a sociedade compreende como um objeto de intervenção de uma tecnologia especifica que leva a cura e normalmente está vinculado a certos saberes e a certas instituições. Logo, patológico é a dimensão do sofrimento, que a sociedade se vê no direito de intervir. A gramatica social do sofrimento, é a maneira de organizar o que é visível e anunciável, sobre o que é possível falar do sofrimento, ou como é admissível constituir um objeto para representa-lo, para isso a definição das condições sintáticas e semânticas, passam pela compreensão. a produção de sentidos é organizada através dos enunciados e dos sentidos. O DSM quando foi publicado na primeira versão em 1952, o manual diagnóstico estatístico de transtorno mentais DSM – base do saber psiquiátrico. Continha, 128 categorias para descrever as modalidades de sofrimento psíquico. No ano de 2013, (sessenta e um) 61 anos depois da última versão, o DSM 5- apresentava 541 categorias clínicas, ou seja, 413 novas categorias clinicas, foram descobertas. O Professor destaca que, estamos diante de uma anomalia científica, ou não havia nenhum conhecimento sobre o que significava as estruturas do sofrimento psíquico, ou tivemos uma modificação que está sendo impulsionada e desenvolvida a partir de estruturas, de forças que normalmente não atuam dentro do saber clínico. As possíveis causas para o aumento dos transtornos psíquicos, podem estar na fragmentação das grandes estruturas, ou quadros sindrômicos de sintoma, a acessibilidade epistêmica, é uma visão realista do desenvolvimento atual sobre o desenvolvimento e sobre a presente forma de descrever o sofrimento psíquico. Também é possível, ter uma visão não realista desse processo, uma visão que vai dizer sobre o conhecimento do ser humano, ou a forma de intervenção sobre o sofrimento psíquico, que não é neutra no que diz respeito aos valores. Esse modo de ver, é na verdade uma forma de adequar comportamentos, estruturas de desejos, modos ou usos de linguagens a valores que não são necessariamente criados dentro do espaço clínico. Isso porque a clínica depende de valores que não são unicamente clínicos, são valores que ela traz de outros campos da cultura, logo, nesta nova configuração das formas de sofrer, temos o impacto de algumas mutações das estruturas de valores sociais que interferem no campo da clínica. A clínica não é autônoma em relação a valores, pois a forma como é definido normalidade, patologia, saúde e doença, tomam emprestados conceitos que vem de outros saberes. Sendo assim, é importante questionar se está havendo uma outra configuração de gestão social que tem intervindo na maneira como as pessoas entendem o que é o sofrimento patológico. O Professor continua dizendo que, de cinco em cinco anos a psicanálise sempre tem debates dessa natureza que acusam, apontam ou interpretam os tratamentos que estão relacionados as doenças mentais, porém eles evitam um elemento muito interessante, o setor anômalo dos tratamentos vinculados ao sofrimento psíquico não é a psicanálise, é o setor mais estabelecido e hegemônico hoje em dia. Exemplo uma das últimas transformações vistas durante séculos, quando era falado em psicose, tínhamos tendência em fazer uma explicação dual, que vinha do século VXII, distinção entre mencia e demência, um tipo de preservação das faculdades superiores, da fala, da atenção, da motricidade, que tinha uma profusão de produções delirantes e alucinatórias e havia um modelo de degradação, que era degeneração continua até os estados catatônicos. Isso se preservou no quadro clínico, através da polaridade, esquizofrenia paranoia que durou por algum tempo, porém não existe mais. A paranoia em algum momento do DSM V, ela se transforma em um dos transtornos próprios da esquizofrenia, um sofrimento do tipo paranoide e hoje não temos mais essa classificação, ou seja, a paranoia foi eliminada, sendo assim não há mais paranoia no mundo, embora pareça que os paranoicos estão por todos os lados, eles na verdade não existem mais!
Ainda sobre a mudança classificatória das doenças mentais, o Professor destaca que, essa mudança não pode ocorrer sem uma modificação estrutural em sistema de valores exteriores e afins, quer dizer um dos tópicos trabalhados por Safatle no laboratório de filosofia e psicanálise da USP, trabalha com a modificação nos padrões de racionalidade econômica da sociedade ocidentais e como esses sofrimentos eram impactados pela economia. Isso porque, a maneira como nós organizamos as dinâmicas de produção, as dinâmicas circulação e as dinâmicas de consumo de objetos nas nossas sociedades, tendo em vista a produção de riqueza, na verdade a racionalidade econômica é também uma forma de definir como vamos produzir sujeitos. Marx já dizia isso, produção não produz só um objeto para o sujeito, ela produz um sujeito para o objeto, logo, ela não produz só no ponto de vista normativo. O Professor enfatiza que não se trabalha da mesma forma dentro e fora do capitalismo, também não se deseja da mesma forma dentro e fora do capitalismo, nem se fala ou se usa a linguagem do mesmo jeito dentro e fora do capitalismo, porque esse processo da Racionalidade econômica impõe impactos profundos na nossa forma de vida como um todo e não só no sentido de uma disposição normativa, ou seja, como eu devo ser? Para que eu possa ser um sujeito econômico, portanto, um sujeito que não vai ser destruído dentro da lógica econômica e que vai conseguir produzir valor, vai conseguir fazer do seu trabalho produtor de seu valor e que vai seguir sobrevivendo socialmente e ainda assim, vai conseguir ter autonomia no sentido de estabelecer para si capacidade de auto preservação. Até aqui, é possível compreender as formas que o Professor Safatle encontrou para responder à questão: O que significa exatamente, e qual o impacto dessas mudanças classificatórias em descrever o sofrimento psíquico em nossa sociedade?
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