A cultura do cancelamento sob a ótica da Psicanálise.
- Instituto ESPE
- 21 de mai.
- 2 min de leitura
Atualizado: 21 de jul.
Texto escrito por Marco Leite. Psicanalista Clínico. Doutorando em Psicanálise, saúde e subjetividade pela UVA-RJ. Mestre em psicologia pela UEM. Graduado em Psicologia pela UEL. Coordenador geral e docente da pós-graduação em Fundamentos da Psicanálise do Instituto ESPE.

Falar em cultura do cancelamento não é possível sem considerar as questões referentes a uma sociedade que busca no Outro uma referência — seja para amar, seja, em alguns casos, para odiar. Nos dias de hoje, verificamos um aumento vertiginoso da intolerância ao diferente, à alteridade, o que acaba por afetar diretamente as relações humanas como um todo. Cada vez mais presos a um certo tipo de ideal, em que o juiz é a cabeça de cada um, encontramos nas redes sociais um fenômeno que pode ser facilmente pensado à luz do texto “Psicologia das massas e análise do Eu”, de Freud. Da mesma maneira que alguém é elevado à condição de “influencer”, esse alguém passa a ser vítima do próprio sucesso, não podendo revelar publicamente muitas de suas ideias, posições política, religiosa etc. O que encontramos é um encarceramento do influencer que, para se manter como ideal de uma multidão de indivíduos, acaba por conter-se naquilo que supõe que o Outro deseja que ele seja, diga ou faça.
Um dos maiores psicanalistas da atualidade e professor convidado das pós-graduações do Instituto ESPE, Marcelo Veras (EBP/AMP), recentemente fez alguns comentários sobre essa questão, colocando o influencer como o verdadeiro influenciado pelos outros que o colocaram e, mais tarde, o sustentam nessa posição supostamente privilegiada nas redes sociais. O que podemos verificar, a partir da experiência de cada um de nós neste contexto das redes, é, basicamente, que quando alguém diz o que pensa, o que sente, ou toma uma posição ética na contramão da massa, esse alguém geralmente paga o preço do aniquilamento digital.
Entre o desejo e a culpa, será Lacan que, em 1959/1960, ao trabalhar com a temática da ética da psicanálise — a ética do sujeito —, nos revelou que ceder de seu desejo é uma covardia que pode levar à depressão, ao mesmo tempo que bancá-lo custa — o que Bukowski, em sua poesia “Roll the dice”, tão brilhantemente nos ensina. Bancar o desejo custa perder amigos, ser abandonado por todos, por vezes perder o emprego, ou dormir sozinho num banco de praça em uma noite fria, sem ninguém por você. Essa relação do Seminário 7 de Lacan com a poesia de Bukowski não se dá apenas no preço que se paga por isso. Também encontramos em ambos aquilo que se pode ganhar. Isso que escutamos em nossa clínica, com nossos pacientes que sustentam com a vida o desejo, podemos certamente chamar de “dormir com a cabeça tranquila no travesseiro todas as noites”. Em suma, se há uma culpa que podemos localizar, especialmente no campo das redes sociais, é, ainda hoje, a mesma que encontramos em nossas clínicas — e que está intrinsecamente ligada a diversas patologias no campo da saúde mental: a culpa de ceder de seu desejo.
gostaria de receber material exibido sobre do Sintoma ao diagnostico com crianças e adolescentes Obrigado! ikatta294@gmail.com