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Psicanálise e Narcisismo

  • Foto do escritor: Instituto ESPE
    Instituto ESPE
  • 22 de jul.
  • 22 min de leitura

Atualizado: 23 de jul.

Transcrição da aula aberta do Especast ministrada pela professora, psicanalista e escritora Ana Suy.

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APRESENTAÇÃO DO PODCAST

O Professor Daniel Omar Perez, deu início a este ESPEcast, apresentando esta plataforma do Instituto ESPE, ele faz um percurso, sobre os avanços que a biblioteca digital de conteúdos áudios visuais do ESPE vem atingindo e como ela está se constituindo através das redes sociais, alcançando o público que se interessa pela psicanálise a partir das conferências, dos podcast, temas ou teorias que estão relacionados a psicanálise e as ciências que de algum modo se vinculam à psicanálise. O ESPEcast, além de ser uma biblioteca áudio visual, agora também integra a modalidade de um blog em formato escrito que forma uma comunidade que possibilita a divulgação do trabalho de seus integrantes. O Professor Daniel, vislumbra a possibilidade de tornar esta plataforma uma espécie de rádio diário que trará informações importantes sobre a psicanálise e faz um convite, para que os psicanalistas possam participar desta comunidade.

O Professor Daniel, faz apresentação da escritora, professora e psicanalista Ana Suy, trazendo-a para a conversa, conta ao público sobre os livros que ela escreveu e que se tornaram notáveis exemplares, trazendo notório reconhecimento a autora e ainda mais visibilidade a leitura da psicanálise por diversos públicos.

Ele também, destaca a relevância alcançada por Ana Suy através dos livros publicados pela editora Planeta: A Gente Mira No Amor e Acerta na Solidão (2022), Não Pise no Meu Vazio (2023), As Cabanas que o Amor Faz em Nós (2024), A Corda que sai do Útero (2024) e apresenta o novo livro que Ana Suy vai lançar em breve, que se chama, - Como amam as crianças?

APRESENTAÇÃO DA PROFESSORA ANA SUY Ana Suy, inicia sua fala, agradecendo ao Professor Daniel, ao Instituto ESPE e declara alegria de estar no ESPEcast, destaca a importância deste espaço para a transmissão da Psicanálise e para o tema que ela vai abordar – PSICANÁLISE E NARCISISMO.

            O tema escolhido pela a escritora, é fundamentado no livro escrito por ela, - A gente mira no amor e acerta na solidão (2022), porém não só, pois o tema de pesquisa de Ana Suy é o tema que fala sobre o amor.

Para Ana Suy, o amor é uma lente pela qual ela enxerga a vida, não tem como passar pela vida sem fazer a pergunta (O que é o amor?) e para tentar responder a essa questão é necessário passar pelo conceito de narcisismo, pois, inevitavelmente falar de amor é falar também sobre o narcisismo, mesmo porque, não tem perspectiva de vida, falar de amor se não passar pela via do narcisismo, por esse motivo, esse é um tema que custa caríssimo a Ana Suy, e neste podcast ela vem compartilhar elementos do seu conhecimento, e espera contribuir o que ela tem extraído desse conceito a partir da psicanálise e de sua própria história de vida.

SOBRE O NARCISISMO A Professora Ana Suy, começa explicando o conceito de narcisismo, fazendo uma leitura sobre a dimensão e o impacto que a palavra tem alcançado popularmente nos dias de hoje. A escritora, diz que a palavra narcisismo tem trazido gasturas a ela, pois, seja na vida virtual ou real, tem alguém comentando sobre esse tema, porém, de forma pejorativa e a partir do senso comum.

Assim, a palavra narcisismo, passou a ter um significado que destitui as pessoas e aponta para desdobramentos e conotações que se referem a hostilidades e xingamentos, pois, acabam esbarrando em campos do egoísmo, mal caratismo, canalhice e não é que o narcisismo não tenha a ver com essas características citadas, mas é que esse tema é muito mais amplo e vai muito além dessas definições populares de senso comum. O narcisismo tem um estatuto muito importante no campo psicanalítico.

Para Ana Suy, de tempos em tempos, algum conceito psicanalítico se torna popular e quando isso acontece, esses temas vão tomando outras conotações, que vão para além daquilo que a psicanálise diz sobre eles.

Assim também, aconteceu com o conceito de histeria, que passou pelo mesmo processo de destituição do seu conceito original e alcançou outros sentidos e explicações de senso comum, para se referir as pessoas de forma pejorativa. A palavra histeria dentro da psicanálise tem um valor e lugar de dignidade muito significativo, pois inaugurou a psicanálise.

Ana Suy, faz um convite, para que seja possível resgatar o termo narcisismo, dizendo que, fará um “certo elogio a esse tema”, e pede para que os ouvintes que não tem intimidade com o conceito de narcisismo, esqueçam um pouco do que já escutaram sobre esse assunto, vindo do senso comum de forma pejorativa, e aos que tem familiaridade com o conceito de narcisismo dentro da psicanálise, que possam escutá-lo novamente, pois a transmissão da psicanálise se dá de várias formas e a contemplação de um mesmo conceito, pode ser escutado várias vezes de formas diferentes, por diferente pessoas e sempre tem um elemento novo a ser acrescentado ao conhecimento do analista em formação.

            O termo narcisismo, aparece de forma muito importante no campo psicanalítico, especialmente a partir do texto escrito por Freud (1856) em (1914), que se chama, Introdução ao Narcisismo. Esse texto é um dos favoritos de Ana Suy, isso porque, é uma leitura curta, densa e toda vez que ela lê esse texto, ele a coloca à trabalho, permite que ela pense várias coisas, a partir de diferentes aspectos, pois, é um texto que diz, do que se forma o psiquismo humano.

E como é que se forma o psiquismo, se não pelas vias dos laços amorosos com os outros? Logo, esse é um texto sobre o amor.

           

Por outro lado, esse também é um texto, onde Freud vai trazer uma certa noção do diagnóstico psicanalítico, visto que, é a partir do texto sobre o narcisismo, que é possível pensar sobre os diagnósticos de neurose, psicose e perversão. Em – Introdução ao Narcisismo (1914) Freud (1856) considera, uma discussão entre o normal e o patológico, sendo que, para a psicanálise não existe distinção moralista entre normal e patológico, isso é somente uma noção de ponto de vista e que não define o sujeito.

           

No texto, é possível considerar, algumas nuances da época em que Freud (1856) vivia, uma vez que, ele estava se referindo a partir do lugar que ele falava, ou seja, ele diz de um tempo muito diferente dos nossos, porém, todos os textos são assim, e também de todos os autores clássicos. Por isso, é importante fazer algumas ressalvas, pois homens e mulheres ocupavam determinados lugares próprios da época diferentes da sociedade contemporânea.

           

Segundo Ana Suy, no texto Estádio do Espelho (1936), Lacan (1901) retoma algumas coisas sobre a Introdução ao Narcisismo, a partir do estatuto do imaginário. A escritora, diz que hoje, muito se fala de narcisismo, e toda vez que falamos de narcisismo, estamos dizendo do estatuto do imaginário dentro da psicanálise, e é disso que se trata no campo do amor, ou seja, falar de amor não é possível, se não falar de narcisismo e vice-versa, haja vista, quando estamos nessas vias, estamos dizendo de uma certa fantasia de completude em relação ao outro.

           

Ana Suy, conta que, o termo narcisismo trazido por Freud (1856) não foi ele quem inventou, porém, Freud, faz uma referência a um colega contemporâneo de sua época chamado, Paul. Näcke (1899), psiquiatra, criminologista, nascido na Alemanha e foi ele quem inventou a palavra narcisismo. Vários analistas desenvolveram teorias a respeito do narcisismo, mas foi Freud (1856) quem deu estatuto ao narcisismo e ganhou o mundo quando ele colocou a importância do narcisismo em sua teoria.

Então, diferente do que temos de senso comum nos dias de hoje, quando as pessoas se referem a outras, chamando-as de narcisistas, dentro do campo psicanalítico, o narcisismo não é uma característica positiva ou negativa do sujeito. O narcisismo para a psicanálise é uma condição para constituição do psíquica, sendo assim, não existe pessoa que não tenha narcisismo, não tem pessoa que não seja em alguma medida narcísica.

Segundo Ana Suy, a medida do narcisismo faz toda a diferença, pois, depende muito da quantidade e de como se constrói essa medida. Freud (1956) aponta que o narcisismo, vai ser amar a si mesmo como se fosse outra pessoa, ele define o narcisismo de forma muito bonita no início do texto e propõe uma discussão para iniciar esse tema.

A escritora diz que, isso pode parecer maluco, amar a si mesmo como se fosse outra pessoa, mas se pararmos para prestar atenção, nos colocamos no mundo de forma duplicada, no sentido de que: - Eu estou aqui dentro do meu corpo, e ao mesmo tempo para eu me situar no mundo, eu suponho como é fora de mim.

  Ela continua dizendo, que as primeiras memórias, o primeiro capítulo da história de vida de uma pessoa, é um capitulo que não se tem acesso a ele, logo, chegamos a questão - Qual é a primeira memória de infância? A questão da origem do eu, pode ser colocada de diferentes maneiras, o fato é que independente da resposta que viermos a dar a essa pergunta, será sempre uma resposta nebulosa. Só temos imagens soltas sobre a primeira infância, não lembramos muito bem se os fatos aconteceram ou se alguém nos contou.

Isso se mescla a história, a imagens, e o fato é que em algum momento a gente vai se reconhecer, sendo quem a gente é, de uma maneira em que, para muitos de nós não há retorno. A partir de algum momento, alguma coisa se consolida e vamos nos identificando a um lugar que, não é mais o lugar que o outro dizia que ocupávamos para ele (a).

Ana Suy, continua dizendo, que a primeira tarefa que temos na vida, é receber alguma coisa do investimento afetivo, investimento libidinal vindo do outro. A nossa primeira tarefa na vida é receber o amor do outro, esse outro, são os primeiros cuidadores, geralmente são, pai, mãe, avós, ou cuidadores da criança. O investimento na criança, é feito através do tempo, do afeto, do corpo, da libido, entre outros. Na verdade, é investimento de uma certa transferência daquilo que os pais ou cuidadores queriam para eles, mas que não foi possível fazer. Chegamos na vida, já sendo herdeiro das frustações do outro que, nos recebeu e depositou todas suas expectativas e frustações. Essas frustações depositadas em nós, são transferidas a partir dos cuidados, é como se os pais quisessem que o bebe os restabelecesse narcisicamente, é transferido uma parcela do narcisismo fracassado dos pais à criança.

Segundo Ana Suy, o eu da criança, é constituído a partir dos investimentos que os cuidadores fazem nela, isso é o que vai posteriormente formar a imagem narcísica da criança, ou seja, a imagem que a criança faz de si mesma é o que irá compor o narcisismo primário.

“A primeira forma de narcisismo é o depositário, dos fracassos, e desejos do outro que são transferidos ao bebe que está chegando”. O narcisismo primário acontece pela via da identificação, à medida que o bebe vai crescendo e se identificando com o que o outro diz dele. A tarefa da criança, vai ser, continuar sendo amável com seu cuidador para continuar recebendo os cuidados do outro, para isso ela responde as demandas de seus cuidadores.

De acordo com Ana Suy, muito cedo ficamos sensíveis ao olhar do outro, ou a ideia do que o outro pensa sobre nós, essa articulação que os humanos aprendem a fazer desde muito cedo, acontece de forma feroz e muitas vezes antecipando a demanda do outro.

Em alguma medida a criança atende ao ideal do outro, se identificando com o nome que recebeu dos pais, com as características que se assemelham a eles e por outro lado elas também vão frustrar o outro, pois, a criança na verdade vai se deparar com o impossível de atender a demanda desse outro, e não é porque ela é diferente, é porque responder a demanda do outro é sempre impossível, independentemente da idade do sujeito, haja vista, a demanda do outro é ilimitada, é infinita.

Sendo assim, Ana Suy considera que o desejo sempre aponta para outra coisa, ainda que a criança consiga formular uma demanda e o outro consiga atender essa demanda, alguma coisa entre desejo e demanda se desencontram e o resultado desse desencontro é uma experiência de falta, experiência de vazio, é uma experiência de desencontro, e é essa falta e esse vazio que irão possibilitar que a criança passe do narcisismo primário, saindo dos ideias dos outros e vá em direção ao narcisismo secundário que, dará possibilidade de releitura do seu próprio narcisismo, da sua própria ideia de eu, e deixara cair os ideais dos outros que foram depositados em seu pequeno ser, se deixando frustrar.

            Do narcisismo primário ao narcisismo secundário, temos o encontro com o aparecimento de algo que é da ordem da falta, do não atender as demandas do outro e é por isso que é possível entender que a incompletude explica o complexo de castração, apontando para alguma coisa que é do sujeito e que constantemente escapa ao olhar do outro.

Ainda que precisamos do outro para saber quem somos, essa imagem narcísica que vem do outro, ela sempre vai aparecer de uma maneira limitada, de uma forma que não nos identifica por completo, logo a consequência disso é que constantemente estamos as voltas com a questão (Quem sou eu?)

Ana Suy, faz uma observação, em Introdução ao Narcisismo (1914), não está escrito de forma literal tudo o que ela está explicando neste podcast, mesmo porque, na obra de Freud (1856) tem outros textos que se complementam e precisam ser lidos para compreender sua teoria.

A professora, coloca algumas questões de ordem existencial, que quase sempre as pessoas se fazem: - Como é que eu comecei a ser eu? – Eu quem?

Na verdade, são perguntas estereotipadas, clichês que muitos já se fizeram ao longo da vida, mas são questões que vão existir, enquanto existir vida. Enquanto houver tempo de vida, estaremos lidando com essas questões.

- O que estou fazendo da minha vida?

- Quem sou eu?

- O que eu quero para minha vida?

Além disso, Ana Suy considera, que só é possível encontrar alguma resposta para essas questões, à medida que encontramos pessoas para fazer laços. Nós enquanto seres humanos, temos debilidades, não podemos contar substancialmente com os instintos, diferente dos animais que são instintivos e isso é suficiente para que eles possam fazer o que fazem em seu habitat natural.

            O que diferencia o ser humano do animal é a linguagem, o que poderia ser visto como natural ou simples, porém, não é, pois, a relação do ser humano com o outro se dá através do imaginário – estamos presos em um corpo e ao mesmo tempo pensamos fora dele. Estamos o tempo todo na duplicidade da imagem, e de alguma maneira nos condenamos.

Essa condenação, que ao longo do tempo o sujeito vai fazendo consigo mesmo, chama-se supereu, esta no campo da auto exigência e que pode ganhar uma força exponencial levando o sujeito ao sofrimento, isso porque, essa super exigência narcísica, tem a ver com a criança idealizada que fomos um dia.

A psicanálise não é uma teoria do desenvolvimento, ela entende, que a medida que o sujeito cresce, ele não se livra de quem ele foi, pelo contrário, o que fomos não vai embora, porém não fica ali do mesmo jeito, há um encontro do ser humano com novos elementos da vida e assim é possível ressignificar quem fomos.

Todavia, Ana Suy considera que, a criança idealizada, se mantém por muito tempo e isso pode causar a sensação de que sempre podemos ser mais e mais, chegamos num discurso contemporâneo bastante perigoso, o discurso da melhor versão de si.

O discurso da melhor versão de si, pode ser uma grande cilada, isso porque, se acontece o casamento do narcisismo com o supereu, ocorre o encontro da versão idealizada de si mesmo (a), que é aquela com a qual a gente vai se deparar com o esvaziamento do ideal, ou seja, a criança idealizada que eu fui e que ia resolver os sonhos frustrados dos adultos que me receberam, se ela ficar fixada nisso, a vida vai virar um tormento, pois, ai eu não estou aqui para viver minha vida, estou aqui para pagar a dívida dos outros.

Ana Suy, afirma que é importante para a criança no início da vida, atender a demanda do outro, pois essa é uma mola para a constituição psíquica do sujeito, logo, isso tem relevância nesse primeiro momento e em alguma medida para os laços sociais que o sujeito faz ao longo da vida.

A condição para que haja um limite nisso, é que aconteça um encontro com o desencontro, para que o sujeito não fique completamente identificado pela demanda do outro, pois, se a pessoa responde a demanda do outro sempre, ela vai se encaixar na fantasia de completude, isso é, se o outro demanda e eu atendo, temos ai uma certa continuidade, eu e o outro somos um só.

-Você pede e eu dou, logo, a gente se completa.

Quando o outro pede, e o que é oferecido para a ele, não é exatamente o que ele pediu, temos a desmontagem da fantasia de completude. Se duas pessoas se completam, tipo lego, e ninguém pode se mexer, por estarem encaixadas, se houver algum movimento esse um vai desajustar o outro, ou seja, o outro depende inteiramente de mim, portanto, estou servindo de suporte único para o outro.

Para Ana Suy, a psicanálise é uma teoria e uma experiência que interessa muito a ela, pois, a psicanálise vai enaltecer o lugar da falta, a psicanálise não vai concebe a falta como um erro, como um pesar, um lamento, como acontece nos discursos contemporâneos que tentam eliminar a falta e o vazio, vendendo uma ideia de completude.

A psicanalise estabelece em sua teoria a importância da falta, isso porque, ela é uma condição para a vida, é só na medida que encontramos formas de transformar o que é entendido como erro, para dar estatuto de diferença e que conseguimos nos deparar com o vazio e transformamos ele num vazio fértil, só assim é possível desfrutar de alguma coisa da vida.

Ana Suy, segue para a conclusão de sua fala, fazendo a citação do poema de Clarice Lispector (1920), que se encontra no livro - A descoberta do mundo (1984), o título da crônica é: Antes tudo era perfeito.

A crônica toda é: Ter nascido me estragou a saúde.

Com isso, a mensagem final que Ana Suy traz para os ouvintes deste podcast, é: - Que estamos todos caminhando para a morte, estamos todos caminhando para o fim disso tudo. Se ficamos muito hipnotizados pelas demandas que os outros colocam em nós, sem nos depararmos com aquilo que nos enlaçam na carne e que enlaça a carne na vida, aí sim fica tudo sem sentido.

Portanto, o narcisismo é uma das formas, de colocarmos alguma coisa de sentido na vida, ele é muito importante, porque sem ele não tem a possiblidade de desfrutar da vida, mas é preciso que o narcisismo seja instrumento para isso e que nos leve a desencontros e a furos.

Então somos todos narcísicos (as), narcisistas, porém a medida disso, a maneira como isso é furado é que a faz diferença.

PERGUNTAS DOS OUVINTES Na primeira pergunta, o ouvinte pede para Ana Suy relacionar o narcisismo com o imperativo de gozo na clínica atual, contemporânea.

Ana Suy, responde a essa questão, dizendo que Lacan no Seminário 20 – Mais, ainda (1985) colocou que, há um imperativo de gozo que nos ordena de uma forma ilimitada, colocando uma certa ordem para tornar possível que o sujeito desfrute das coisas da vida de forma ilimitada.

Na contemporaneidade, é possível pensar esse imperativo de gozo, sobre o viés das redes sociais, pois, temos os recortes da vida das pessoas, porém, as pessoas geralmente compartilham os bons recortes, os sucessos, as alegrias, os momentos que são fantasias de completudes. Nas redes sociais, tudo parece que é perfeito, ou seja, o imperativo de gozo é um lugar no sujeito, onde ele olha para o que o outro possui e passa a desejar o que é do outro, ou quer fazer o que o outro esta fazendo.

Sendo assim, é possível pensar que o supereu se aproxima significamente da inveja, pois, a inveja é a impossibilidade que temos de admirar alguém, contudo, quando admiramos outra pessoa estamos separados dela, acontece uma autorização para elogiar o outro, porém, não é aquilo que eu quero para a minha vida, mas aquele recorte me inspira a fazer algo diferente para mim ou na minha vida.

Existe uma tríade, composta pelo eu, o outro e no meio dos dois, um intervalo. Nesse intervalo existe o desencontro. Na inveja, acontece um equívoco, pois, o espectador assiste o recorte do outro, julgando que o outro esta vivendo da maneira certa, enquanto, quem assiste o recorte, pensa que deveria estar fazendo exatamente o que o outro esta realizando, isso causa a sensação de vazio e desamparo muito grande para o sujeito que esta assistindo esses recortes.

Ana Suy conclui que, é impossível atender a demanda do outro e ao mesmo tempo a demanda do supereu. Ainda, que eu escolha seguir o caminho do amigo da rede social, não é possível conseguir responder a todas as demandas, dado que, é impossível ter três filhos e não ter nenhum ao mesmo tempo. O nosso tempo é a castração, pois ele é limitado, em um outro momento quando tínhamos uma outra relação com o tempo, talvez tínhamos tempo para internalizar alguma coisa da falta, a tecnologia mudou drasticamente a relação do ser humano com o tempo.

O ser humano tem suportado muito mal o tempo, existe uma fantasia que dá para apressar o tempo, que dá tempo para fazer mais coisas com o tempo que temos, os recursos, as tecnologias auxiliam nisso, é possível fazer muito mais coisas nos dias de hoje, mas há um limite, e temos dificuldade de internalizar alguma coisa que é da ordem do limite ou da castração.

 

Na segunda pergunta, o ouvinte pede para que Ana Suy responda: - O ideal do ego é uma formação narcísica e quando ele vira neurose?

Para responder a essa questão, Ana Suy propõe pensarmos o narcisismo primário (primeiro a criança se identifica ao que o outro diz que ela é) e o narcisismo secundário (é efeito da queda da identificação que ocorre no narcisismo primário).

O eu ideal, tem a ver com o primeiro tipo de narcisismo, enquanto o ideal de eu, tem a ver com o segundo formato de narcísico. O ideal do eu, e o eu ideal, estão de fato relacionados a formação neurótica, uma vez que, entre o narcisismo primário e secundário existe o complexo de castração, através do recalque que acontece o complexo de castração.

O que significa dizer que o sujeito na neurose, vai tentar não saber daquilo que ele sabe, assim, ele tenta esconder de si mesmo o que sabe sobre si, tão bem, porém, só a partir dos sintomas e dificuldades que o sujeito encontra ao longo da vida é que ele se dá conta que não consegue fazer tudo.

Segundo Ana Suy, o recalque nos impede de ter acesso a algumas obviedades, por isso, o que se ganha no percurso de uma análise, no sentido do trabalho que se faz ao longo de um percurso analítico, tem a ver em saber de coisas que a gente já sabia, mas não podia saber.

           

O impacto que uma análise causa, traz reflexões sobre aquilo que estava recalcado, o sujeito neurótico sofre muito com sintomas que denunciam aquilo que não podia saber, e isso é uma desonestidade do sujeito neurótico consigo mesmo, pois, o neurótico se deixa seduzir demais pelo narcisismo.

Ana Suy, coloca que na psicanálise, entende-se, que o narcisismo é uma forma radical de incluir o outro nos processos de identificação e imagem que se constituem desde a infância. Não somos sem o outro, a ideia de quem somos passa pelo outro. Quando o sujeito imagina a forma que esta sendo visto pelo outro, essa é uma imagem que parte do olhar do outro.

           

O sofrimento é sempre narcísico, pois eu só posso sofrer a partir do meu eu, o sofrimento é narcísico, pois, quando estou sofrendo é difícil prestar atenção no outro ou em outros eventos que demandam minha atenção. O sofrimento nos leva a um fechamento, a um enclausuramento, algo que vai ser resolvido quando conseguimos deixar a nossa libido liberta para investir no mundo novamente.

A noção de ideal de eu, é uma sofisticação do narcisismo primário. Se no narcisismo primário ficamos muito fechados em atender o ideal do outro de uma maneira mais direta. No narcisismo secundário, nos ideais de eu, o outro vai ser pulverizado para outras figuras, sendo assim, o sujeito não fica fechado em atender somente as demandas de um outro especifico, todavia, é possível colocar outras pessoas nesta relação, pode ir para o mundo, e é assim que se constitui a neurose no sujeito.

           

Muitas foram as questões e perguntas feitas a Ana Suy neste podcast. Para responder uma parcela maior do público, a autora preferiu escolher uma questão com maior alcance de dúvida e assim ela fez uma articulação entre a relação do conceito de narcisismo para a psicanálise com o conceito de transtorno de personalidade narcisista na psiquiatria. Questão feita por grande parte dos ouvintes.

Ana Suy, inicia sua fala, dizendo que essa a articulação entre um conceito e outro causa bastante confusão, pois, na perspectiva psicanalítica o narcisismo é um conceito que ganha um lugar, um estatuto e tem uma importância relevante na teoria Freudiana, não é uma opção ter ou não narcisismo, pois, isso faz parte da constituição psíquica do sujeito.

Já na psiquiatria, o DSM 5 concebe o narcisismo, como uma faceta dos transtornos de personalidade narcisista, ou seja, o transtorno de personalidade narcisista chega perto da perspectiva de egoísmo.

Para fazer a comparação entre o discurso psicanalítico e o discurso psiquiátrico do DSM 5, a professora Ana Suy, começa dizendo que em psicanálise o narcisismo não é psicopatológico, logo, quais são os diagnósticos que a psicanálise trabalha?


A psicanálise trabalha com o diagnóstico diferencial, que vai compreender a neurose, psicose e perversão como estruturas, ou neurose, psicose, perversão e autismo, dependendo dos autores, pois, tem autores que entendem que existe uma quarta estrutura.

            No diagnóstico de acordo com a psiquiatria/psicopatologia, o narcisismo é uma faceta para uma série de transtornos de personalidade narcísicos que estão escritos no DSM 5. O diagnóstico em psicanálise, se faz em relação ao mecanismo de defesa do sujeito em um processo analítico e através da transferência quando a pessoa está em análise.


No DSM 5, o diagnóstico é fenomenológico, isso significa que, tem uma série de critérios que a psiquiatria exige para que o sujeito se enquadre em determinado transtorno, a pessoa preenchendo os critérios e quantidades de sintomas exigidos no manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, fecha-se então o diagnóstico feito pelo médico.

           

Ana Suy, alerta para o que acontece hoje, em relação a “tiktokização”, onde o próprio sujeito se auto diagnostica, a partir de características que a própria pessoa vai identificando nela, a partir dessas características nomeadas pelo senso comum, o sujeito diz que tem determinado transtorno, ou doença. Esse evento contemporâneo não pode ser validado como um diagnóstico, diagnóstico é feito somente com os profissionais da medicina, psiquiatria e da psicologia.


O diagnóstico psicopatológico é feito via fenômeno, ai caímos na noção de pensar o narcisismo como sendo um egoísmo desmedido que se aproxima do que chamamos em psicanálise de perversão, no texto de Freud (1856) Introdução ao Narcisismo (1914), que Ana Suy está se apoiando, como o próprio título diz, Freud introduz o termo narcisismo fazendo uma aproximação entre o narcisismo e a perversão. Só que a perversão que Freud trata no texto, não se refere ao diagnóstico psicanalítico, porque em (1914) não era entendido que a perversão se tratava de uma estrutura, sendo assim, Freud se referia a pulsão, ou seja, a pulsão enquanto perverso polimorfa, o que diferencia do diagnóstico psiquiátrico, narcisista perversa egoísta, do narcisismo que vai se colocar de uma maneira dependente de um outro a partir de um certo desencontro e que tem a ver com o enlace amoroso, logo, é possível compreender a frase de Freud, onde ele coloca que, só tem uma coisa que nos salva do amor por nós mesmos, que é o amor pelos outros.


Quando Ana Suy, propõe essa problematização do tema narcisismo para fora do senso comum, não é que ela esta dizendo que não há narcisismo nos sujeitos perversos, porém, nem tudo é sobre o diagnóstico, existe gente com diferentes estruturas e não dá para generalizar, pois, o diagnóstico em psicanálise não é moralizante.


Existem neuróticos mau-caráter, psicóticos mal caráter, perversos mal- caráter, existe gente canalha, gente imbecil, gente que é narcisista no sentido pejorativo, narcisismo no sentido psicanalítico que abarca tanta gente.


Ana Suy, fala da importância de compreender que essa é uma questão relevante para a psicanálise e que é necessário ter cuidado e critérios mais sofisticados para fazer uso do termo narcisismo. No entanto, a autora diz que é pertinente fazer uma ressalva ao uso da palavra narcisismo que advém de alguns elementos importantes da sociedade contemporânea.

É prudente ir com calma nessas críticas, pois, não é do nada que as coisas ganham um estatuto importante para a cultura, quando algo se torna e toma um lugar relevante para a sociedade, é porque isso diz de algo que esta acontecendo na sociedade. Logo, porque estamos falando tanto do narcisismo, egoísmo, do mundo de imagens, de egocentrismo? É possível refletir em uma séria de elementos postos.

           

O primeiro elemento, é que existem coisas que estão sendo ditas, porque hoje existem as redes sociais que propagam e replicam falas, dizeres, pessoas comuns estão falando sobre todos os assuntos possíveis e imagináveis. Ana Suy, sublinha a importância do acesso a fala em nossos dias.

           

O segundo elemento, tem a ver com as relações amorosas, as mulheres falam dos namorados narcisistas e isso diz respeito a uma posição ou um lugar que os homens ocupam em nossa cultura, ou seja, quando as mulheres falam sobre os namorados narcisistas, elas estão dizendo que não cabem mais no lugar que ocupavam antes. O uso excessivo da palavra narcisismo, pode ser entendido também, como uma forma de denúncia sobre relacionamentos abusivos e por isso a palavra se coloca de forma tão imponente.

           

Um terceiro elemento que vem aparecendo em relação ao uso excessivo do termo narcisista, tem a ver com as mães. Para pensarmos sobre as mães narcisistas, Ana Suy cita, Vera Iaconelli, que em seu livro - Manifesto Maternalista (2023) diz que, por um lado as mães narcisistas nada mais são que, um pai comum, ou seja, isso diz muito dos sintomas na cultura, Vera está falando justamente sobre a sobrecarga da mulher para cuidar dos filhos, e por outro lado, que muitos filhos sofrem violências nas relações com suas mães. O acesso as redes sociais, possibilitou essas descobertas, então, não é do nada que o termo narcisismo chega com tanta força em nossa cultura.

 

Uma terceira questão é feita para Ana Suy, uma ouvinte pede para que ela faça uma relação entre narcisismo e amor próprio.


Ana Suy, diz que Freud (1856) no texto - Introdução ao Narcisismo (1914), diz sobre o narcisismo primário, relacionando-o com algo que vai se transformar na autoestima para o sujeito em sua vida adulta.

As traduções de autoestima da língua alemã, na edição da Imago, Freud usa termos que, é possível ter a ideia, que o narcisismo primário se transforma depois em autoestima na vida do adulto. Nas edições da Companhia das letras e da editora Autêntica, a tradução de autoestima tem o significado de: sentimento de si.


Em 2024, o termo autoestima assim como narcisismo, foi tão propagado, que chegaram a exaustão e foram perdendo o seu sentido original, assim como aconteceu com o termo histeria a um tempo atrás.

Por isso Ana Suy, gosta muito do termo que atribuem ao Freud (1856) na tradução atual da editora Autêntica, ligando o narcisismo primário ao sentimento de si, a autora, acha que fixamos a noção de auto estima ao conceito de amor próprio, especialmente no que diz respeito ao mundo feminino, então, de novo precisamos fazer uma ressalva, porque, de onde vem isso?

Ana Suy, destaca novamente, a importância de entender a relevância do conceito de narcisismo primário e como indica a editora Autêntica, o conceito também de sentimento de si, que são termos e conceitos usados pela psicanálise.


Para não correr o risco de descartar tudo, se não é jogado fora o bebe com a água do banho, é importante o cuidado para não banalizarmos as palavras, seus conceitos e o que de fato significam.

A psicanálise vem para nos ajudar a repensar coisas que achávamos que já sabíamos, pensar no amor próprio é mais profundo do que simplesmente achar que, amor próprio significa fazer skinker, ter autocuidado, e deixar a autoestima sempre no campo do precisar, do ter, ou seja, vamos colocando imperativos de coisas que consideramos necessárias, para sustentar a ideia de que isso é me cuidar é me amar.


Ana Suy, diz que com frequência essa série de imperativos tem a ver com a beleza e com o feminino, logo é possível pensar: - A quem interessa isso?


Porém, não podemos jogar tudo isso fora, para não entrar no campo da imposição e da moralidade, isso porque, estaremos destruindo as conquistas que já foram feitas, em relação ao que foi construído sobre o amor próprio especialmente no universo das mulheres, ou seja, é se deparar com equívoco sem fazer a destituição de tudo que já se conquistou.


A autora, considera a importância dessa noção de amor próprio, da noção de independência, de empoderamento, justamente porque é novo que as mulheres estejam podendo ascender um lugar de autonomia, ao lugar de independência, o excesso de discursos é uma maneira desajeitada de colocar uma forma de fazer isso, porque ainda não sabemos como é e estamos aprendendo, não sabemos considerar a importância do relacionamento amoroso, da maternidade, isso se soma a uma lógica de mercado que nós temos feito para entendermos quem somos e que passa pela lógica do consumo. Assim excessivamente nos aproximamos do amor, de consumir, de amar por ser consumido, etc.


Ana Suy, continua dizendo que é essencial termos cautela para não darmos simples respostas a questões difíceis, ela faz um convite para que seja possível refletir sobre essas questões e que seja possível de forma mais singular encontrar respostas, pois, temos mania de querer encontrar soluções para todos ao mesmo tempo e todo mundo é muita gente.


O que precisamos, é poder se adequar a sociedade, porém se reconhecer enquanto sujeitos singulares, e saber que no horizonte há sempre um desencontro, seja com o outro ou com nós mesmos. E algo desse desencontro é o que podemos chamar de inconsciente, é a diferença que encontramos na relação de nós, com nós mesmos e com o outro.


Ana Suy, finaliza esse podcast citando Freud (1856) no momento que ele fala sobre as feridas narcísicas que existem na humanidade. Temos três feridas narcísicas: - a primeira foi causada por Nicolaus Copérnicus (1473), pensávamos que a terra era o centro do mundo e Copérnicus provou que não, quem esta no centro é o sol, a terra só gira em torno do sol.


A segunda ferida narcísica veio através de Charles Darwin (1809) atribuída a teoria da evolução, desmistificando a ideia de que o homem é a imagem e semelhança de Deus.


A terceira ferida narcísica foi a descoberta do inconsciente, pois o inconsciente é uma fenda no narcisismo, onde nos deparamos com o desencontro com a gente mesmo.

Ana Suy, encerra o podcast agradecendo ao Instituto ESPE, a audiência do público e convida a todos para participarem das pós graduações do ESPE, que ela faz parte do corpo docente.



 
 
 

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