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Transferência na Psicanálise: Entre o Amor e o Saber

  • Foto do escritor: Instituto ESPE
    Instituto ESPE
  • 30 de jun.
  • 6 min de leitura

Atualizado: 15 de ago.

Texto escrito por Renata Wirthmann, Doutora em Psicologia pela Universidade de Brasília com pós-doutorado em Psicanálise pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.

“Uma análise sem transferência é algo impossível" (Freud, 1925) Na clínica psicanalítica, sabemos que não há análise sem transferência. O sujeito que procura tratamento, mesmo sem saber exatamente o que deseja, endereça sua queixa a alguém que ocupa um lugar — o de suposto saber. Esse lugar, sustentado pela transferência, vai oferecer as condições para que a análise possa acontecer. No entanto, é importante destacar que a transferência não foi criada pela psicanálise. Ela está presente em várias de nossas relações cotidianas, sendo o papel da análise evidenciá-la e isolá-la como condição essencial para o tratamento. Para Freud, a transferência é definida como um tipo particular de laço amoroso que se inicia fantasticamente já na busca pelo tratamento e que se estabelece no curso da análise. Trata-se de um amor autêntico, tão verdadeiro e potente quanto qualquer outro que experimentamos ao longo da vida. Em Observações sobre o amor de transferência, Freud reconhece a autenticidade deste tipo de amor. "Nesse ponto o amor de transferência não parece ficar atrás de nenhum outro; temos a impressão de que dele poderíamos conseguir tudo”. Essa dimensão amorosa da transferência apresenta um grande desafio técnico: o analista deve acolher o amor transferencial, mas também deve se abster de satisfazer as demandas de amor do paciente. Afinal, ceder a tais pedidos significaria desviar a análise de seu objetivo, não levando à atualização das figuras parentais na relação com o analista, mas à simples repetição. Como observou Freud, no livro antes citado, “o amor de transferência possui talvez um grau menor de liberdade que o amor (…) da vida, mostrando-se menos flexível e capaz de modificação”. Ou seja, embora intenso e verdadeiro, o amor transferencial é, necessariamente, menos livre que um amor fora da análise, pois será manejado para viabilizar as condições do tratamento. Lacan, ao retomar o conceito de transferência, confirma a dimensão amorosa destacada por Freud e a articula à dimensão do saber. Para Lacan, a transferência é simultaneamente uma demanda de amor e uma demanda de saber. É justamente na tensão entre esses dois eixos – amor e saber – que se desenrola o processo analítico. A demanda de saber dirigida ao analista o localiza como lugar de Sujeito Suposto Saber. A suposição de que o analista possui um saber começa na busca própria pela análise na qual o futuro analisante deposita, no analista, a suposição de que ali há um saber capaz de lhe oferecer alguma solução para seu mal-estar. É fundamental destacar que, assim como na demanda de amor, o analista irá se abster de entregar um saber, pois, eticamente, tem conhecimento de que é somente suposto, que se trata de uma ilusão de saber demandada pelo paciente. Lacan enfatiza, portanto, que a transferência é, sobretudo, uma relação com a falta: amor à falta. Isso significa que a aposta do sujeito na análise é sustentada por uma ficção - a de que o analista detém algo que falta ao sujeito. A ética do analista, portanto, consiste em não satisfazer essa demanda de completude, mas em operar no campo da falta. A consequência prática dessa concepção é que o analista jamais vai responder oferecendo um saber pronto ou satisfazendo a demanda de amor. Em seus Escritos, Lacan aponta que, no decorrer de uma análise, o analista lida com as múltiplas articulações da demanda do sujeito, “mas só deve (…) responder a partir da posição da transferência”. Se o analista abandona essa posição e passa a instruir ou a dar respostas fechadas, ele assume para si o lugar de saber (do discurso do mestre) ao invés de sustentar o lugar de suposto saber Fornecer explicações prontas seria colocar um saber estrangeiro no lugar do saber do próprio sujeito; um saber não construído a partir do desejo inconsciente, portanto um saber no qual o paciente não poderia se reconhecer, por não ser singular.       O manejo da transferência como falta tem o propósito de sustentar a ética do desejo em psicanálise: privilegiar o saber que emerge do próprio sujeito, em vez de aplicar sobre ele um saber pré-estabelecido. Freud constata que a transferência e a resistência estão intimamente relacionadas. Em A dinâmica da transferência, o psicanalista austríaco observou que, na análise, a transferência pode se tornar a mais poderosa arma da resistência, de tal modo que a intensidade e a duração da transferência podem se tornar efeito e expressão da resistência. Ou seja, quanto mais intensa a transferência, maior tende a ser a força da resistência por trás dela. Não por acaso, os momentos de maior progresso na análise muitas vezes deflagram em grandes reações resistenciais. Durante o tratamento, o analisando frequentemente resiste à emergência de conteúdos psíquicos dolorosos ou proibidos. Essa resistência não é um elemento externo à análise, mas parte integrante dela: Freud afirmou que tanto a transferência quanto a resistência estão presentes desde o início do processo analítico, em cada pensamento e ato do paciente. Entretanto, longe de ser uma vilã da análise, a resistência é, sobretudo, uma aliada do trabalho analítico. Ela sinaliza onde está o núcleo do conflito e o momento propício para as intervenções do analista. Freud enfatizou que a resistência, ao erguer barreiras ao tratamento, acaba por indicar o trabalho a ser feito na análise. A resistência, desse modo, orienta o analista na condução do caso – é um verdadeiro guia, assim como a transferência. Em relação à noção de resistência como obstáculo ao tratamento, Lacan aponta, em seus Escritos, que a única resistência que impediria de modo definitivo a análise seria a resistência do analista: “Existe apenas uma resistência, é a resistência do analista. O analista resiste quando não entende com o que ele tem de lidar”. O analista resiste quando não sabe como escutar, quando tenta impor um saber, quando antecipa sentidos, quando ocupa o lugar de mestre. Essa virada coloca a responsabilidade da clínica não sobre o paciente, mas sobre a posição ética de escuta sustentada pelo analista. Dessa maneira, diante da complexidade do manejo da transferência e da resistência, fica clara a importância da formação do psicanalista. Diferentemente de outras profissões, a formação em psicanálise não se resume a um curso teórico ou técnico com duração fixa, sendo um processo que nunca se encerra. Freud estabeleceu, e Lacan reiterou, os três pilares da formação analítica: a análise pessoal, a supervisão (análise de controle) e o estudo teórico contínuo. Em primeiro lugar, nenhum analista pode oferecer uma escuta qualificada se não tiver ele próprio passado por uma análise profunda. Sem passar pela análise pessoal, é impossível compreender a transferência e a resistência como ferramenta no tratamento analítico e saber manejá-las eticamente. Por isso, em Lembrar, repetir e perlaborar, Freud afirmou que “o que o paciente viveu sob a forma de transferência nunca mais esquecerá”. Outro eixo imprescindível na formação do analista é a supervisão (análise de controle), especialmente durante os primeiros anos de clínica. Ao relatar seus atendimentos a um analista mais experiente, o iniciante pode tomar consciência de pontos de resistência e aspectos da transferência que sozinho não conseguiria notar. A formação teórica permanente completa esse tripé formativo. Ler, reler, escrever e transmitir permite ao analista situar conceitualmente aquilo que observa na clínica, evitando que sua prática ande à deriva ou caia na armadilha da aplicação enrijecida da teoria. É um equilíbrio sutil: teoria sem escuta viva pode se tornar uma barreira (resistência do analista), enquanto prática sem fundamentação teórica pode descambar em improvisação sem rigor. Como sintetiza Lacan, a transmissão da psicanálise só é possível através desse tripé indissociável – análise pessoal, supervisão e estudo –, pelo qual cada analista deve passar para forjar seu caminho singular. Apenas assim se adquire a capacidade de escuta sustentada pelo desejo do analista: o desejo de levar adiante a experiência da psicanálise respeitando a singularidade de cada caso. No manejo clínico, essa formação se traduz em postura ética. O analista bem formado sabe que não detém de antemão um saber sobre o paciente – ele ocupa o lugar do suposto saber, operando principalmente através do não-saber (escutar sem pré-julgamentos, aberto para o inesperado). Em resumo, como posto em O seminário, livro 15: O ato psicanalítico, Lacan nos ensina que, fora do manejo da transferência, não há ato analítico. Eis a ética do analista.

“A transferência tem sempre o mesmo sentido, de indicar os momentos de errância e também de orientação do analista” (Lacan, 1951)


 
 
 

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alesio
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