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Existe cura na Psicanálise?

  • Foto do escritor: Instituto ESPE
    Instituto ESPE
  • 13 de ago.
  • 4 min de leitura

Texto escrito por Marco Leite, Doutorando em Psicanálise pela UVA e Mestre em Psicologia pela UEM.

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Desde os primeiros textos de Freud, há uma preocupação muito genuína, constante e absolutamente evidente em demonstrar que a psicanálise é, de fato, um tratamento que promove a cura. Trata-se de uma prática clínica que não apenas visa aliviar o sofrimento psíquico, mas também devolver aos pacientes a capacidade de viver uma vida mais digna, mais livre, sobretudo das amarras impostas por certos sintomas, inibições e, principalmente, pelas grandes irrupções de angústia que, por vezes, paralisam o sujeito ou o conduzem diretamente ao pior. Esta preocupação atravessa toda a obra freudiana e está presente tanto nas formulações teóricas quanto na transmissão da experiência clínica, deixando claro que o compromisso da psicanálise não se resume à interpretação do inconsciente, mas também à possibilidade de produzir efeitos transformadores na vida do sujeito.

Seja na carta a Fliess (Freud, 1900), onde Freud compartilha suas primeiras elaborações teórico-clínicas, seja no texto tardio “Construções na análise” (Freud, 1937), encontramos um médico, neurologista de formação, que, ao longo de mais de quatro décadas de prática clínica fundamentada na psicanálise, dedicou-se a demonstrar, por meio de sua experiência, que a psicanálise não apenas cura, mas que seu método é, de fato, eficaz e efetivo quando se trata de abordar os sintomas cuja causalidade se encontra no inconsciente. Ao longo desse percurso, Freud não apenas criou um novo campo clínico, mas também instituiu uma nova ética no tratamento do sofrimento humano, uma ética que toma como centralidade a escuta do sujeito, sua verdade inconsciente e a singularidade de seu desejo. Atualmente, essa constatação não se limita mais ao campo dos psicanalistas. Muitos pesquisadores, especialmente aqueles que atuam na área da saúde mental e que se dedicam à pesquisa empírica, têm comprovado, por meio de metodologias rigorosas — incluindo as pesquisas clínicas denominadas padrão-ouro — que a psicanálise é, sim, um tratamento efetivo, com resultados consistentes e duradouros, aplicáveis a diversos transtornos mentais. Esse corpo de evidências, que cresce a cada ano, tem sido fundamental para combater uma série de discursos que, por vezes, tentam reduzir a psicanálise a uma prática anacrônica, sem respaldo empírico, o que não se sustenta diante dos dados atuais.

Mais recentemente, Liellingren (2023) revelou um dado extremamente significativo: entre os anos de 1967 e 2022, foram publicados nada menos do que 298 estudos aleatorizados e controlados — justamente o tipo de estudo que é considerado referência em termos de validação científica no campo da saúde. Além disso, somente na última década, mais de 120 artigos científicos foram publicados, todos apontando, de maneira sistemática, evidências robustas sobre a eficácia, a eficiência, o custo-benefício, bem como análises comparativas da psicanálise em relação a outras práticas e tratamentos. Trata-se de um volume expressivo de produção científica que desmonta a falsa ideia, ainda circulante em alguns meios, de que a psicanálise não estaria interessada ou não seria passível de investigação empírica rigorosa. Por sua vez, Leichsering et al. (2023), empenhados em oferecer uma atualização criteriosa das pesquisas mais recentes no campo da saúde mental, publicaram estudos cujos resultados indicam, de forma clara e inequívoca, que a psicanálise, assim como as psicoterapias dela derivadas — a exemplo da psicoterapia psicodinâmica, da psicoterapia psicanalítica e da psicoterapia psicodinâmica de longo prazo —, são tratamentos que não apenas se mostram eficazes, mas cujos efeitos benéficos persistem de maneira significativa, mesmo após o término do processo analítico ou terapêutico. Ou seja, não se trata apenas de obter alívio sintomático momentâneo, mas de produzir mudanças estruturais na economia psíquica do sujeito, mudanças essas que repercutem de forma duradoura em sua relação com o desejo, com o gozo, com os outros e com a própria existência. Apesar de toda essa vasta gama de comprovações clínicas e científicas, ainda hoje há aqueles que se mantêm firmes na recusa em aceitar que a psicanálise é, de fato, um tratamento eficaz e eficiente para uma ampla gama de transtornos mentais. Essa posição de resistência não é nova. Freud já havia comentado sobre ela em seus textos, destacando como desde os primórdios a psicanálise enfrentou hostilidades, incompreensões e rejeições oriundas, muitas vezes, não de críticas fundamentadas, mas de reações afetivas, culturais e ideológicas. Mais recentemente, Gilson Iannini (2024) também se debruçou sobre esse fenômeno, apontando o quanto a resistência à psicanálise, desde os tempos de sua criação até os dias atuais, parece estar muito mais relacionada a um certo tipo de preconceito, de rejeição infundada e, até mesmo, a tentativas sistemáticas de implementação de políticas que visam descredibilizá-la, como bem observa Leite (2024), do que propriamente a uma análise séria, rigorosa e honesta dos avanços e dos resultados das pesquisas científicas contemporâneas que se debruçam sobre essa temática. Esse cenário, portanto, nos leva a refletir sobre o fato de que a resistência à psicanálise não se deve a uma suposta ineficácia de seu método, mas, sim, àquilo que ela sustenta desde sua origem: a afirmação da existência do inconsciente, da sexualidade infantil, da castração, do desejo e do mal-estar estrutural que atravessa a condição humana — elementos que, por sua própria natureza, seguem sendo insuportáveis para muitos. Diante de tudo isso, torna-se inegável que a psicanálise, desde sua fundação até os dias atuais, mantém-se como uma prática clínica rigorosa, ética e efetiva, sustentada não apenas pela tradição teórico-clínica inaugurada por Freud, mas também por um crescente corpo de evidências empíricas que atestam sua eficácia no tratamento do sofrimento psíquico. É fundamental, portanto, que os profissionais da saúde mental, bem como a sociedade em geral, estejam atentos a esse dado incontornável: a psicanálise não apenas sobrevive às tentativas de deslegitimação que a atravessam historicamente, como segue se atualizando, se reinventando e se afirmando como uma prática de escuta singular, que acolhe o sujeito em sua dimensão mais própria — aquela que não se reduz às classificações, aos protocolos ou às lógicas da normatividade, mas que reconhece, no inconsciente, a chave para compreender e tratar o mal-estar que constitui a experiência humana. Assim, reafirmamos que a psicanálise, além de ser uma prática de cura, é também, e sobretudo, uma aposta ética na possibilidade de que cada sujeito encontre, no percurso de sua análise, uma forma mais digna, mais livre e mais autêntica de habitar sua própria existência.


 
 
 
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